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FAZER VIVER, DEIXAR MORRER - By Kátia Vanessa Tarantini Silvestri

Atualizado: 3 de ago. de 2021




Vivemos em tempos em que um poder político sobre a vida se apresenta como a responsabilidade de constituir uma sociedade de segurança. A essa política da vida, chama-se biopolítica. Na história da humanidade, entre os séculos XVII e XVIII, a soberania – forma de governo monárquico ou ditatorial – governava mediante uma disciplina total dos corpos dos indivíduos. Eis as instituições como a fábrica, o hospital, o exército, a escola e mesmo a prisão como instituições cujo sentido reside na confinação dos corpos. Em outros termos, todas essas instituições devem disciplinar os indivíduos, ou seja, produzir corpos dóceis, submissos, conformados e “educados” pelas regras e práticas que cada uma das instituições exerce, da mesma forma, sobre cada um de nós. No final do século XVIII a tecnologia da disciplina, já bem consolidada, ganha uma nova aliada - uma nova forma de poder sobre os corpos. Essa forma não captura mais o corpo espacialmente, este já está capturado pelas instituições, ela domina a própria vida. É o que se chama de bipoder. Este poder busca administrar vida de uma população em complemento com a tecnologia da disciplina. Daí a noção de “Estado de bem-estar social”. Este tem como tarefa possibilitar uma vida razoável para toda a população. Por isso a criação dos sistemas públicos de saúde, das cadernetas de poupança (atuais previdências), os censos, as vacinas entre outros. Essa nova relação entre o poder político e a população inverte o antigo lema da soberania que era “fazer morrer, deixar viver” para “fazer viver, deixar morrer”. Nas relações de monarquia, o soberano tinha total poder sobre os corpos dos súditos. Era o único que podia matar sem estar fora da lei. Com efeito, a vida dos súditos era um consentimento do soberano. Por exemplo, ao seu bel prazer podia fazer morrer simplesmente por que não ter gostado do tom que alguém lhe dirigiu a palavra. Época também dos suplícios, pelos quais o fazer morrer era a forma de ostentar o poder absoluto do soberano. Desde o final do século XVIII o poder do Estado se foca no fazer viver como estamos vendo. Daí a morte se tornar um problema para o Estado, pois o bom Estado assegura uma qualidade de vida à sua população que deve viver mais e melhor, afinal, cada corpo vivo é um corpo produtor e consumidor. Retomado o contexto histórico, podemos entender uma disciplina bastante nova chamada bioética, campo que se dedica a levantar questões sobre o fenômeno da vida e os valores a ela atribuídos. Numa sociedade que está estruturada pelo biopoder as questões a respeito da vida e da morte se tornam cruciais. Porém, com os enormes avanços da tecnologia, a medicina e a agropecuária principalmente passaram a ter poderes inusitados sobre o fenômeno vida. Eis que surgem perguntas como: um ser humano tem o direito de decidir sobre quando e como morrer? As doações de órgãos devem ocorrer com a morte cerebral (que hoje atesta o óbito) apesar do coração continuar a bater e o corpo ainda manter a temperatura? Os transgênicos agridem ao meio ambiente e a própria saúde do ser humano? A criogenia (congelamento do cérebro para futuramente ser reimplantado num corpo cibernético) ressuscitará o doador do cérebro ou “nascerá” uma outra pessoa? Quando a vida começa? O aborto e a eutanásia devem ser legalizados? Notemos que essas decisões, tão pessoais, estão negadas a nós na sociedade biopolítica. Não temos, mediante o Estado, o poder sobre essas escolhas. Esse é o lado negativo da sociedade do biopoder, pois somos tratados como alienados, de forma que se alguém decide morrer por conta própria está cometendo um crime. Há, é claro, diferenças sobre a interpretação das leis e das próprias leis nos diferentes países que formam o globo. Todavia, não podemos perder de vista, principalmente enquanto brasileiros, que não temos nem a possibilidade de discutir tais questões, pois nossas vidas pertencem ao Estado. E ele que decide por cada um de nós. Estará isso certo? Temos o exemplo do médico Jack Kevorkin (1928-2011) que inventou a máquina para a prática do suicídio assistido. A máquina permite que o próprio paciente acione o mecanismo e substâncias letais são injetadas ao corpo propiciando a morte. Jack foi condenado à prisão. Devemos ao menos nos perguntar: o que é a morte e o que é a vida? Viver completamente infeliz, com dores e transtornos é vida? Ou ainda, é vida sob qual perspectiva (sob a perspectiva de quem)? Ser mãe no inicio da adolescência é justo para com a mãe, com a criança e mesmo com a família? Quem deve decidir? Nós? O Estado? A igreja?



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